terça-feira, 19 de julho de 2016

Como se forma a espuma?

Olá pessoal,

O texto hoje é sobre espuma. Nesta primeira parte, veremos aspectos associados a sua formação.

A importância da espuma varia conforme o tipo de cerveja e de país para país. No entanto, é consenso que a espuma está relacionada a uma cerveja de boa qualidade.

A espuma é apresenta o aroma e o flavour da cerveja. Sua composição deve ser de bolhas pequenas, uniformes e de longa permanência. A camada de espuma é importante também em aspectos físicos e químicos da cerveja, já que ela impede a maior perda de gás carbônico, e reduz a incorporação de oxigênio pela cerveja.

As características da espuma dependem de 4 processos, que são a formação da bolha; escoamento; coalescência e desproporcionamento.

A espuma formada na cerveja é gerada a partir do desprendimento de bolhas de gás carbônico partir da redução de pressão. A formação da bolha se inicia com a condensação de moléculas de gás carbônico, num processo conhecido por nucleação.

O processo de formação de nucleação do gás é gerado de duas maneiras diferentes na cerveja. Ao ser aberta a garrafa são formadas as primeiras bolhas pelo processo de condensação homogênea. Em seguida, ao servir a cerveja, se inicia o processo de condensação heterogênea. Nesse caso, o que acontece é que o ar sofre expansão pela difusão do gás carbônico que estava presente na cerveja. Ou seja, o gás carbônico que estava comprimido, no interior da garrafa, após o momento da abertura, tem sua solubilidade reduzida, e, por conta disso, se dispersa no ar. Juntos ambos sofrem expansão. Neste momento, a bolha formada, a partir da mistura do gás carbônico, contido na cerveja, com o ar sofre nucleação e origina a bolha. 



Processo de nucleação

A medida em que a bolha aumenta e a sua capacidade de flutuar também aumenta. No ponto em que a sua flutuabilidade supera as tensões superficiais que a prendem a superfície do recipiente, a bolha se desprende e sobe. A natureza do gás contida no interior da bolha é importante e a pressão interna da bolha é inversamente proporcional ao seu tamanho.

Ao subirem em direção a superfície, essas bolhas arrastam substâncias tensoativas e hidrofóbicas. Estas substâncias tem baixa tensão superficial, o que quer dizer, em termos práticos, que elas podem aumentar sua superfície de contato, e assim, após as bolhas terem subido, elas formam uma camada ao redor da bolha. A existência desse filme ao redor das bolhas depende da capacidade que as proteínas tem de se associarem. Ou seja, a medida em que a bolha vai subindo, ela aumenta de tamanho, e as substâncias tensoativas atuam garantindo a estabilidade da bolha.


Estrutura das bolhas que compoem a espuma


Na medida em que a bolha deixa interface cerveja-espuma, ela é empurrada para cima pelas bolhas mais novas, que chegam por baixo. Na medida em que ela vai sendo empurrada para cima, o liquido entre as bolhas escorre, e diminui o espaço entre elas. Assim, a espuma “molhada” é convertida em espuma “seca”. Este escoamento continua acontecendo pela ação da gravidade. Para o consumidor, há apenas uma mudança sutil na espuma, mas nesse ponto é que a coalescência e o desproporcionamento das bolhas inicia o processo de desestabilização da espuma. 


Processo de escoamento

A coalescência em espumas é definida como o processo de união entre duas bolhas, resultando na formação de uma bolha maior e menos estável, provocada a partir da ruptura da parede divisória entre elas. A ação da gravidade, e a sucção na bordas de Plateau – originada da diferença de pressão interna entre as bolhas, no ponto em que elas (3 bolhas) se encontram formando um ângulo de 120°-, é responsável por reduzir a resistência da bolha, levando ela a entrar em colapso.




Desproporcionamento, por sua vez, é definido como o processo de fusão das bolhas ou de engrossamento da espuma, resultado da difusão do gás entre as bolhas. Através desse processo o gás das bolhas menores com maior pressão de Laplace – que é a diferença de pressão entre o lado interno e externo de uma superfície curva, no caso, a parede das bolhas-, se difunde para as maiores. Como resultado, tem-se bolhas cada vez maiores.

Sobre esse processo é que a diferença entre gases se faz importante. Cada gás tem uma velocidade de difusão específica, e uma vez que o processo de difusão depende também da solubilidade do gás na película que reveste a bolha, é nesse momento que se observa diferença entre gases. Se o gás possuir maior solubilidade no líquido, a passagem dele entre as bolhas é mais rápida.  O nitrogênio, por exemplo, tem solubilidade muito menor que a do gás carbônico, e por isso suas bolhas são muito menores que as bolhas formadas pelo gás carbônico. Em termos práticos, a menor solubilidade do nitrogênio faz com que o nitrogênio possua maior resistência a migrar de uma bolha para a outra. Bolhas contendo oxigênio tendem a produzir o mesmo efeito de bolhas produzidas a partir do nitrogênio. Em contrapartida, bolhas formadas exclusivamente por gás carbônico, que possui maior solubilidade no líquido na membrana inter-bolhas, gera uma espuma com bolhas maiores e menos estável.


Processo de desproporcionamento

Por conta da difusão do gás contido na bolha depender da solubilidade dele na película entre as elas, a espessura das paredes entre elas desempenha papel importante. Ou seja, o processo de escoamento está ligado também ao de desproporcionamento; se a película entre as bolhas for mais espessa, maior a resistência enfrentada pelos gases na migração de uma bolha para a outra, resultando numa espuma mais estável.

A espuma começa a entrar em colapso já em sua formação. O colapso da espuma acontece com o estouro das bolhas, e subsequente movimento contrário das subtâncias tensoativas de volta para a cerveja.

Como resultado do processo de perda de gás da espuma, ela se torna mais espessa e consistente nas camadas mais superiores. Isso faz com que seja possível servir mais cerveja após pouco tempo, já que a espuma de maior consistência, nesse caso, mais compacta, em função das bolhas menores- é empurrada para cima. O que se observa é a redução no tamanho da camada de espuma. O aumento da consistência da espuma pode ser observado também na formação de anéis no copo, a medida em que o volume em seu interior é reduzido.

Em suma, quanto mais gás carbônico houver dissolvido, mais espuma será formada. No entanto, a estabilidade da espuma está condicionada a presença das substâncias tensoativas. Dessa maneira, é possível perceber que o teor de gás carbônico não é o aspecto majoritário na formação da espuma, e sim a presença dessas substâncias.


Se segunda feira fosse uma cerveja


Aguardo ansioso pela sua crítica, sugestão, elogio, dúvida, ou qualquer outra maneira de colaboração via comentário, email etc. !

e obrigado pela atenção!

Fontes:
Livros
Título - Autor - Ano
Beer : A Quality perspective - Charles W. Bamforth; Inge Russell;  Graham G. Stewart - 2008 
Brewing: Science and Practice - D. E. Briggs;  P. A. Brookes; R. Steven; C. A. Boulton – 2004Food Chemistry - H.-D. Belitz · W. Grosch · P. Schieberle - 2009
Handbook of Brewing: Processes, Technology, Markets
 -  Hans Michael Eßlinger – 2009Technology Brewing and Malting - Wolfgang Kunze – 1996



Bônus! 

Baseada em toda essa teoria, ao ligar os pontos, sugeri a seguinte hipótese sobre a questão da influência do angulo de dispensação da cerveja sobre a formação de espuma; ou seja, uma explicação para o fato da formação de espuma ser maior caso o copo não seja inclinado no início do serviço.
Gostaria de saber o que você achou da hipótese que eu formulei, e até mesmo se você já ouviu alguma coisa a respeito.
A diferença observada no ângulo de serviço da cerveja, depende principalmente da turbulência gerada, associada a características particulares de desproporcionamento. A 90 graus do copo, a turbulência gerada é maior, fazendo com que mais ar seja incoporado na espuma. Com aumento da quantidade de ar na espuma, as bolhas formadas tendem a apresentar menor efeito de desproporcionamento. Uma vez que o ar possui solubilidade menor que o gás carbônico, sua migração para as outras bolhas será mais lenta. Dessa maneira, a persistência da espuma se elevará. Associado a isso, a espuma que se forma, empurrará essa camada mais espessa para cima. Em termos práticos, é como se a espuma gerada tivesse uma vida maior do que aquela espuma formada envolvendo menor incorporação de ar em sua formação. Além disso, uma hipótese associada é de que com o choque no fundo copo, as bolhas formadas, se fragmentem em bolhas menores. Isso resulta no aumento do número de bolhas, que passam pelo processo de formação de espuma descrito no texto, realizando inclusive o arraste das substâncias formadoras de espuma. Este fenômeno também explicaria o fato de que uma vez passando por grande espumamento, a cerveja não volta a formar um volume significativo de espuma.



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